quinta-feira, 3 de março de 2011
Viagem metafisica
Nasceste destinada à morte
poderias ter começado noutro berço
e a infância ser de rosas
e perfumes
em vez de estrume e terra lavrada
poderias ter dançado
nalguma casa senhoril
pelos dezassete anos infantis
em vez do prado ao anoitecer
transformado em rio
eventualmente poderias ter percorrido
um caminho paralelo
que levaria ao sonho
e ao casamento e aos filhos
ou apenas a uma repetição
dos mesmos gestos
em direcção ao mesmo fim
mas convicta dessa verdade serena
na verdade poderias ter sido outra
e sem orgulho nem mágoa
ter cedido mas não quiseste
o teu destino sabe-me a fezes
percorreste a estrada do símbolo
destinada já
e nenhuma força
humana ou divina o impediria
a tua sorte é como um espelho
olho-me nele e sei de mim
a mesma estrada
a mesma fidelidade inútil
o mesmo rosto quase a desvanecer-se
e um destino imolado ao tempo
que não conhece começo
nem terá fim
pergunto-te valeu a pena
no derradeiro instante da tua agonia
soubeste percebeste
que os anjos não tem asas
e bebem nos rios a sua sede
e deitada sobre a pedra
dormindo o sonho último
viste-te transformada em ídolo do mundo
ou acordada para a verdade deste templo
fechaste os olhos
e esqueceste mais uma vez tudo
diz-me que o meu tempo vem proximo
e eu quero saber
da tua ternura da tua sabedoria
da tua coragem silenciosa e muda
amanhecia e disseste serena
chegou a hora
estou pronta
Lisboa,Novembro 1983
JC
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário