quinta-feira, 3 de março de 2011
Rosas ao fundo
Só o crepúsculo, amor
Só o crepúsculo nos explica
Sonhamos tanto e foi vão
Sonhos diversos,
Que não se encontraram nunca
Para ti uma casa com rosas ao fundo
E a concórdia por muro entre a morte e a esperança
Para mim o regresso ao passado
E a essa família que talvez fosse a fingir verdade
Para ti o amor como uma bandeira
E a nação como o destino sempre adiado
Para mim o sonho de sonhar vida onde só há morte
E destino onde a treva caiu e nada consente
Para ti a paz nessa jangada à deriva
E a certeza de uma ilha algures, onde aportar
Para mim os olhos fitos nesse poente de lágrimas
E o amor a um deus supremamente indiferente
Para ti o amor, para que a morte se cale
E das cinzas das rosas nasçam crianças
Para mim essa barca sombria que atravessa o caos
E não se detém perante altar algum, mesmo que caído
Para ti este mistério de haver nós e tantos
E entre tudo a esperança, como um rio
Para mim só uma porta aberta sobre a madrugada
E eu passo-a e não volto a face sobre o enigma
Para ti a dor de só haver morte
onde devia ancorar a verdade
E essa casa com rosas as fundo para moldura do acaso
Para mim a serenidade de quem nada espera
E dar ao coração um túmulo de pedra por perdão
Para ti o amor ou a virgindade
E essa árvore, castanheiro ou tília,
para descansar da estrada
Para mim os ocasos que não tem mundo nem realidade
Tal como esse deus
que se esqueceu de ser homem e não repara
Para ti o mundo e nós, ou outros, de mão dada
Porque o amor é a barreira entre a vida e o nada
Para mim o olhar fundo e breve e não descrer
Mesmo que nada houvesse para ver,
senão fumos e esperanças
Para ti o dar aos outros aquilo que não vêem
Porque vendo acordam e, quem sabe,
renasçam dessas cinzas
Para mim estar ou ser, tanto faz
E o mais dar ao mestre, supremo sabedor de mim
Para ti nós e tudo estaria bem
Para mim tu e eu como portas ou pontes
Entre o nascente e o poente
E deus homem seria
E eu, ninguem
Setubal, Junho de 1995
JC
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